quarta-feira, 9 de março de 2011

Memória e Resistência

Nesta segunda-feira, dia 7, fui até o Memorial da Resistência, que fica no antigo prédio do Deops/sp. É difícil descrever a sensação de entrar num antigo lugar de tortura e sofrimento. O clima é pesado e carregado de uma história muito intensa. Andar pelos corredores é estranho, angustiante, triste. Mas ao mesmo tempo, causa felicidade em saber que hoje podemos transitar por aquele prédio, sair e entrar quando bem entendemos, é bom saber que o antigo Deops, hoje, serve para preservar a memória daqueles que lá estiveram, para representar a resistência de um dos piores momentos da nossa história. E é entre esses dois sentimentos opostos que saímos do Memorial, que pra mim, marcou como nenhum outro lugar.
E hoje, por coincidência, me deparo com a notícia “Países do Cone Sul investigam e punem criminosos das ditaduras”, publicada na Carta Capital, ficaria completamente feliz, não fosse pelo primeiro parágrafo da matéria: “Brasileiros que foram torturadores, assassinos e sequestradores durante a ditadura militar são, hoje, os privilegiados entre seus pares do Cone Sul. Os últimos anos têm servido para argentinos, chilenos e uruguaios colocarem dezenas de responsáveis por crimes de lesa-humanidade na cadeia.”
Nesse sentido não podemos negar, o Brasil está muito atrasado.
Na Argentina, Chile e Uruguai, tendo como base os tratados internacionais, a justiça já condenou os delitos cometidos na ditadura. O Brasil tem um ano para adequar suas leis de acordo com o tratado internacional, caso isso não seja feito seremos visto como país que não zela pelos direitos humanos, não que eu ache que devemos ficar nos ajustando de acordo com leis internacionais, sempre falo da nossa soberania e capacidade de auto-organização e regulamentação, mas nesse caso, acho indispensável esse tipo de ajuste.
Outro ponto a ser destacado nessa estagnação é a falta de acesso aos arquivos da ditadura brasileira. Esse tipo de ação dificulta não só a investigação no Brasil, mas em todos os países do Cone Sul, pois nós somos peça chave nas investigações da operação Condor, que foi o acordo entre diversos países sul-americanos, com o apoio (financeiro e através de treinamentos) dos EUA, para reprimir o avanço da esquerda.
Há um projeto de lei que circula na Câmara, que visa acabar com o sigilo desses documentos, além disso, temos o interesse, através da secretaria especial dos Direitos Humanos, de criar uma Comissão da Verdade. De acordo com o projeto de lei, a Comissão promoverá “o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior”. Mesmo com esse avanço, setores como as Forças Armadas, são contra a Comissão, pois alegam que esse tipo de medida é tomada em períodos de transição de governos, e não é mais cabível, após mais de 30 anos do fim da ditadura, retomar esses assuntos.
Tanto a Argentina, como o Chile e Uruguai, estão há tempos lutando pela justiça após o regime militar. A Argentina, por exemplo, está desde 1983 investigando e punindo os militares da ditadura. Lá os processos também não ocorrem da melhor maneira possível, ora se vê um avanço, ora um retrocesso, mas estão caminhando. No Chile, nos últimos anos, foram condenados vários integrantes das polícias secretas, oficiais das Forças Armadas e outros repressores. E por último, no Uruguai, a discussão está chegando ao seu ponto máximo, é provável que nesse ano a Ley de Caducidad, lei de anistia do país, seja anulada. Mas enquanto isso não acontece a Suprema corte julga caso a caso, aplicando ou não a lei.
Se quisermos realmente avançar nas investigações e punições desses crimes durante a ditadura, teremos que nos organizar enquanto sociedade e lutar por isso, é preciso que o governo veja a adesão da população. Segundo um membro do governo, “O sucesso ou fracasso das políticas do governo dependerá fortemente da adesão social a esta pauta” e que, “em países como Argentina e Chile, até agora, houve muito mais participação que no Brasil.”
A conscientização nas escolas sobre o que foi a Ditadura Militar no Brasil, não só para alunos, mas também para professores, talvez seja um dos principais pontos. O programa “Direito à Memória e à Verdade” oferece cursos a professores da rede pública sobre esse período no Brasil. Com isso esperamos que, tanto alunos como professores, se interessem mais pela própria história, assim, construiremos uma sociedade engajada, que lute, não só pela punição aos responsáveis pela Ditadura, mas por todos os nossos direitos.
Um bom ponto de partida, volto a repetir, é o Memorial da Resistência, que resume de modo brilhante esse período que foi um dos mais intensos e repleto de lutas da história do Brasil. Aqueles que nasceram depois de 85, ou até pouco antes disso, não vivenciaram esse momento, mas isso não justifica o não envolvimento com o tema. Devemos valorizar todos aqueles que ofereceram suas forças para defender a nação, que lutaram até o fim pela democracia, que deixaram de lado suas vidas para lutarem por todas as vidas, que morreram, foram torturados, se engajaram, que lutaram.

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